terça-feira, 26 de agosto de 2008

Romeu e... Romeu

 

Um banco, harmoniosamente situado sobre um gramado buliçoso ao topo de uma colina, sustenta o corpo esguio de Steven Carter (Ben Silverstone). Aflito, aguarda ansiosamente a chegada de alguém que, a princípio, desconhece. Assim como todos os adolescentes desconjuntados que o rodeiam, o que aflige a espera de Steven é, essencialmente, sua vida afetiva. Principalmente por se dar ao luxo de dividir seus devaneios homossexuais única e estritamente com sua melhor amiga, Linda. Após alguns instantes imortalizados na angústia atemporal do garoto, vê-se um corpo se mover em direção ao assento. Carter anima-se diante da perspectiva de efetivar seu encontro amoroso. Subitamente, a expressão no rosto dele converte-se em um sulco de desconforto e espanto. O banco é mostrado novamente e vemos, ao lado de Steven, sustentando pretensiosamente seu cigarro, John Dixon (Brad Gorton), o esportista ambicionado do colégio que atrai incondicionalmente a atenção de todos - e todas. Certamente não haveria motivo algum para nos espantarmos com tanto, não fosse o choque de sabermos que Dixon, heterossexual másculo e popular, foi quem flertou com Steven.

 

Pertencente à Seleção Oficial Sundance Film Festival, incentivadora norte-americana de produções independentes, e tendo recebido prêmios por Dinard British Film Festival, Edinburgh International Film Festival, Emden International Film Festival e Ourense Independent Film Festival, o britânico Saindo do Armário (Get Real), 1998, é dirigido por Simon Shore e escrito por Patrick Wilde. A obra é abarrotada de traços ingleses, tais como tiradas sarcásticas, natural ironia e jogos lexicais provedores de bem-humorada ambigüidade. Shore faz uso de planos amplos, zooms e enquadramentos estratégicos para tornar sua câmera sugestiva, aliando a isso certo tom azulado, possivelmente relativo ao "azul de Oxford", mencionado na decorrência da trama e representante do oscilante futuro de Steven e John.

 

O enredo inicia-se já expondo a relação entre sexo e a passagem da infância para adolescência e inserindo todas as personagens em situações em que se veêm forçadas a afrontarem-se com a sexualidade. Comicamente, descobre-se que Steven foi introduzido ao tema de modo omisso, sendo que imaginou ter descoberto, por meios ocultos, que o ato sexual se dava com uso de sorvete. O universo adolescente, seu trato com a iniciação da vida sexual ativa e o homossexualismo são pilares que embasam firmemente a problemática da trama. Steven, homossexual temente à reação externa diante do quadro de assumir-se publicamente, une-se a Linda, sua melhor amiga também segregada por ter quilos além do esperado, estando ambos marginalizados da socialização no enredo. Os diálogos no filme são dinâmicos e astutos, carregados do sotaque inglês. Diversas vezes também a trilha sonora contribui para sugerir algo mais além daquilo evidenciado, visto que as canções se fundem ao contexto. Mascarado por uma sensualidade desgrenhada típica da fase adolescente retratada ao final do milênio, um paralelo com a obra shakespeariana Romeu e Julieta é recorrente na obra. Em vários momentos ouve-se menções ao trabalho de Shakespeare, buscando a reflexão em cima de um romance de um aparente heterossexual incluído ostentivamente em seu círculo social e um homo rechaçado à periferia da visibilidade popular, motivo de escárnio por transparecer sua opção sexual. John não admite perder sua popularidade ante o relacionamento com Carter, apesar de ver no mesmo o único refúgio para a omissão perene e agressiva de seu cotidiano. Ao optar pelo ocultamento, o romance primeiramente coexiste bem com a mentira. Contudo, o desgaste da ficção que criaram evidencia-se aos poucos, principalmente por parte de John e sua imaturidade no caso. O desenvolvimento da trama contém poucos clímax, ou então pode-se dizer que a oscilação entre altos e baixos do enredo não se faz muito ampla. Entretanto, é criada uma cumplicidade entre o casal e o espectador. A desembocadura dessa torcida carrega consigo um forte senso libertador, sendo capaz de transmitir essa mensagem sem didatismo. O desfecho é, ainda assim, demoradamente flutuante e reticente, o que provalmente seria evitado com interpretações mais enfáticas e apaixonadas ao fim do relato. Uma obra digna de análises contemporâneas e morais, explorando vítimas da segregação homofóbica que não se esgotam em bradar: "Oh, Romeu, Romeu! Mas porque és tu Romeu?"

Saindo do Armário (Get Real) - Trailer

Por Renan Trindade

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