Difícil encontrar obras literárias que relatem o mundo homossexual. Nas grandes livrarias do Brasil, o assunto “Gays, Lésbicas e Simpatizantes” é ainda sinônimo de literatura promíscua e erótica, sexualmente explícita. Esporádicos livros sobre a história gay e evolução do movimento homossexual é o pouco que difere da prateleira destinada ao público formado por homossexuais. Essa divisão das obras homossexuais reflete, indubitavelmente, a segregação da sociedade e o ainda presente pensamento estereotipado de invirtuosidade dos gays e lésbicas.
Duas interessantes biografias, no entanto, expõem a homossexualidade objetivamente de todos os seus prismas, em uma época crítica para toda a humanidade: a Primeira e a Segunda Guerra mundiais.
Duas interessantes biografias, no entanto, expõem a homossexualidade objetivamente de todos os seus prismas, em uma época crítica para toda a humanidade: a Primeira e a Segunda Guerra mundiais.

“Duas Vidas – Gertrude e Alice”, de Janet Malcolm (Ed. Paz e Terra, 213 págs.), é uma leitura rápida e prazerosa. A biografia traça a história de Gertrude Stein e Alice Toklas, ambas judias, homossexuais, beirando a meia idade, que viviam em uma França ocupada pelo nazismo. A história é permeada de peripécias empreendidas pelas protagonistas de genialidade excepcional para permanecer em território francês, impregnado já de preconceito, amargura e cólera. O livro acompanha a história de vida conturbada do casal com fotos, textos e poemas de Stein, escritora modernista cuja amizade com Pablo Picasso era estreita. A narrativa que Janet executa em cima de fatos da vida das duas homossexuais não é extremamente descritiva, o que realça os eventos em relação ao cenário recriado pelo narrador. Traços da luta contra o preconceito são mostrados, mas o verdadeiro conflito mostrado é entre o casal, que possuíam características, e até mesmo aparência, opostas. Uma boa e minimalista leitura, que trata a homossexualidade sem esquecer o contexto em que está inserida.

Mais romance do que a clássica biografia, “Desejos Secretos – A História de Sidonie C., A Paciente Homossexual de Freud”, de Inês Rieder e Diana Voigt (Ed. Companhia das Letras, 429 págs), recria a vida de Sidonie Csillag (ou se quiser chamá-la pelo nome verdadeiro: Margarethe Csonka-Trautenegg), uma garota vienense de boa posição social que, depois de uma paixão arrebatadora por uma baronesa acusada de assassinato, é levada ao consultório de Sigmund Freud, odiado pela alta sociedade vienense pelos métodos ainda duvidosos de análise, por seus pais aristocratamente desesperados. Sidonie é a alma do ensaio “Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina” de Freud. A vida da garota é totalmente destrinchada: suas paixões por mulheres e homens, suas fugas e extradições, suas escolhas e vícios, sua passagem pela Sibéria e sua chegada em Cuba. A biografia nunca perde de vista o panorama sócio-político da Segunda Guerra Mundial que flutuava à janela de Sidonie. A narrativa é tão bem coesa e descritiva, o que muitas vezes transparece uma fantasia na história toda de Sidonie. Mas não, é verdade. E está imortalizada tanto neste livro quanto no Museu Freud de Viena.
Ambas as obras exprimem os obstáculos e o preconceito empenhado pela sociedade contra os homossexuais em épocas de guerra, em que a xenofobia e a homofobia resultavam no extermínio de milhares de pessoas. A guerra pode ter chegado ao seu fim, mas estamos longe de acabar com o preconceito. Ele está em todo o lugar, até mesmo na divisão das prateleiras das livrarias. Será que um dia algo mudará efetivamente?
Por Virgu Laborão
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