domingo, 10 de agosto de 2008

Álcool liberta o poeta

Benzedrina, jazz e muito, mas muito, álcool. Um novo estilo de vida antagônico ao criado pela grande imprensa norte-americana durante a ilusória ascensão de sua classe média na década de 1950. Era a Beatnik Generation que nascia de corações angustiados, buscando a quebra com a sociedade burguesa formal e mentecapta, em um cenário pós-guerra, sem esperanças para a nova geração. A literatura refletiu os sentimentos da geração em frases ininterruptas, linguagem inescrupulosa, anti-heróis, marginais, bêbados, ladrões, prostitutas, homossexuais, boêmia, sexo, drogas e, é claro, litros de rum.
Os escritores Jack Kerouac, o gênio de "On the Road", Allen Ginsberg, autor da poesia símbolo da Beatnik “O Uivo”, e William Burroughts, experimentalista literário de “Almoço Nu”, e muitos outros artistas, formavam um grupo de jovens universitários ávidos pela vida, loucos pela estrada, moradores dos subúrbios de New York e permanentemente embriagados. A Beatnik simbolizou a busca interior mais profunda, por meio de uma existência errante e boêmia, marginalizados do sistema mostrando a realidade de outros marginais. Muito embora os beatniks representem uma das gerações mais boêmias da história da literatura, não foram somente eles que utilizaram a bebida como “êxtase da mente” e “libertário da alma”.


Ao Sul de Lugar Nenhum – Histórias da Vida Subterrânea, de Charles Bukowki (1920-1994), é um apanhado de contos subjetivamente autobiográficos do escritor alemão. Bukowski, assim como os escritores beats, viveu nos Estados Unidos pós-guerra, onde o preconceito contra os germânicos era onipresente. Embora seja semelhante aos beatniks, não fazia parte do clã de Kerouac. Seu sofrimento advindo do preconceito é refletido em sua obra amargurada e em seu próprio isolamento. Em seus contos e romances, relata a vida de figuras marginalizadas, vagabundos e desiludidos, com uma linguagem livre e expressiva, obscena e sugestiva. Alguns são narrados pelo seu alter ego Henry Chinaski, também protagonista de um de seus maiores romances “Misto Quente”, Bukowski doa toda sua solidão e embriaguez para personagens contundentes e intrigantes.

No conto “Amor por $17,50”, há o relato de um homem que possui fantasias sexuais com bonecas, e acaba, pelas circunstâncias, apaixonando-se por uma manequim de certa loja de discos, de cabelos longos e olhos frios. Em “Nenhum Caminho para o Paraíso”, um boêmio encontra em um balcão de bar uma mulher que possui dois casais de pessoas em miniatura, de aproximadamente 10 centímetros, presos em uma gaiola de arame. Os homenzinhos recriam cenas cotidianas, como brigas, discussões, declarações de amor e sexo, desencadeando reações no casal em tamanho real. “Política” conta um episódio estudantil passado durante a Segunda Guerra em que Chinaski grita o nazismo pela universidade, cansado de ouvir discursos patriotas.
São reminiscências de uma alma perturbada e bêbada que diz: “Beber é algo emocional. Faz com que você saia da rotina do dia-a-dia, impede que tudo seja igual. Arranca você pra fora do seu corpo e de sua mente e joga contra a parede. Eu tenho a impressão de que beber é uma forma de suicídio onde você é permitido voltar à vida e começar tudo de novo no dia seguinte. É como se matar e renascer. Acho que eu já vivi cerca de dez ou quinze mil vidas.”

Rum – Diário de um Jornalista Bêbado, do jornalista influenciado pela Beatitude e precursor do Jornalismo Gonzo, Hunter S. Thompson (1937 – 2005), relata a história de Paul Kemp, um jornalista norte-americano que vai à Porto Rico escrever para o único jornal de língua inglesa de toda a ilha na década de 1950, o decadente Daily News. Toda a narrativa tem traços da própria ida de Hunter a Porto Rico. Kemp parte sem destino certo, com poucos dólares no bolso e uma vontade imensa de liberdade. Faz amigos na redação do jornal como o inquieto e neurótico fotógrafo Sal, o maluco e violento Yemon, a bela fugida Chenault, entre outros. O cenário é itinerante, somente um elemento não muda. Todos sempre têm ao alcance rum suficiente para esquecer do calor infernal, superar a falta de dinheiro, sustentar suas ânsias, adiar o amadurecimento. Contudo, o confronto interno é inevitável e, inúmeras vezes na narrativa, Kemp depara-se com pensamentos relativos à influência e ao dinheiro, contrapondo-se à sua vida errante. “Eu odeio recomendar drogas, álcool, violência, ou insanidade para qualquer um, mas isso tudo sempre funcionou comigo”, diz Thompson que se suicidou em 2005, enquanto conversava com sua esposa ao telefone.

Veja também:

Lista dos 10 Escritores Norte-Americanos mais Bêbados da História.
http://www.lendo.org/os-10-escritores-americanos-mais-bebados-da-historia/

Por Virgu Laborão

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