quarta-feira, 4 de junho de 2008

Entrelinhas

A violência é o grande fantasma açoitando a sociedade, e no ambiente escolar não é diferente. Pequenos delitos ocorrem todos os dias por parte de alunos e professores, demonstrando uma profunda ausência de respeito mútuo, moral e sentimentos. A maioria dessas transgressões da moral passam desapercebidas, culminando em acontecimentos mais trágicos - como o episódio Colombine, no papel de válvula de escape para problemas mais profundos.

O papel dos pais na incorporação da violência na escola, sua evolução através das décadas e sua relação com sentimentos de auto-afirmação e carência são elementos relevantes nos dois romances indicados. Os eventos destacados na literatura são extraordinariamente angustiantes e pungentes, a fim de impactar o leitor e não permitir que ele escape de uma implícita reflexão com a realidade observada ao seu redor.


A maternidade e o esculturado monstro

Eva Katchadourian, uma mãe atribulada pelas circunstâncias, escreve cartas reveladoras ao ex-marido após um terrível evento: o filho Kevin, de 16 anos, é protagonista de uma chacina na qual deu fim à vida de sete colegas, uma professora e um servente em uma escola do subúrbio de Nova York. Em “Precisamos falar sobre o Kevin” (de Lionel Shriver, Ed. Intrínseca, 463 páginas), a mãe transmite ao ex-marido - um excepcional american dreamer chamado Franklin, todas as suas angústias ocultas por meio de flashbacks aleatórios. Dúvidas sobre sua real ânsia pela maternidade, displicência por parte de Franklin durante o casamento, seu papel na formação de uma criança tão retraída e solitária e, principalmente, o ódio pelo maquiavelismo e pela audácia de Kevin desde pequeno são elementos explicitados cheios de remorso.

Kevin aparenta a cada página lida mais enigmático, sarcástico e irônico. O leitor é contagiado com todo esse desconforto e a culpa pela antipatia de uma mãe com um filho.
“Como os pais poderiam odiar um filho por suas qualidades se foram eles mesmo que o educaram?” é a pergunta que paira no ar.


Gangues - o escape para as frustrações e a procura pela aceitação


A fábrica da violência” (do sueco Jan Guillou, Ed. Record, 363 páginas) relata a vida de Erik, um garoto de 14 anos que é espancado deliberadamente pelo pai. O garoto enfrenta os fortes sentimentos de submissão e carência afetiva, desencadeando sólidas defesas contra seus próprios sentimentos. Inteligente e de lar classe média emergente, Erik integra-se em gangues no ambiente escolar. Não pelo desejo sádico da dor – como seu pai, mas sim como escape para a carência familiar e o medo de não ser aceito no grupo. Com isso, inicia uma série de confrontos com professores, amigos e chega à marginalidade. As lacunas do garoto são mostradas e é impossível não constatar semelhanças com os jovens de hoje. O romance de Guillou foi publicado pela primeira vez em 1981 e é extremamente atemporal. As gangues resistem até hoje. A semelhança na descrição de brigas e lutas com as que presenciamos, não é mera coincidência.

Um comentário:

Anônimo disse...

O tema é muito relevante para o momento em que vivemos, pois, a espiral de agressão começa em um ambiente criado para o aprendizado. Incluir a agressão neste ambiente é integrar e convergir a energia de aprendizado à violencia, criando um vetor de alta potencialidade para o longo prazo. É responsabilidade nossa quebrar esta rotina para que o aprendizado seja o da não violência. E aí vale o provérbio Chinês: "Para se andar uma légua só pricisamos dar o primeiro passo".
Virgginia, parabém por trazer o tema à nossa reflexão com esta visão.