sábado, 30 de maio de 2009

Parênteses

O som do Universo

Noite fria, comida boa, chá quente. O céu cintilava e a luz era escassa. Apenas algumas velas espalhadas sobre as mesas cheias de gente iluminavam mornamente os rostos satisfeitos. As constelações passeavam ao seu redor. Mas ainda assim, o frio da noite lhe penetrava até os ossos. Olhou para o céu.

Era engraçado, isso, pensava. O tamanho que se tem por dentro e por fora (Apurou os ouvidos - alguém dizia algo sobre os anéis de saturno - por eles flutuavam partículas invisíveis a olho nú e rochas do tamanho de ônibus - o universo era de fato magnífico!). Certa vez ela vira uma estrela, que mais tarde ficou sabendo que eram duas: estavam tão perto uma da outra que aparentavam ser a mesma. Estavam tão próximas, mas distantes o suficiente para que coubessem entre elas três ou quatro planetas com suas respectivas órbitas. A que distância, então, estaria ela, de fato, das pessoas ao seu lado? Mas naquele momento ela era do tamanho de todo o universo. Ou do tamanho de toda aquela imensidão acima de sua cabeça. Eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho de minha altura*, pensou. Umas crianças mal-criadas corriam por ali. O canto das cigarras lhe enchia os ouvidos, e ela pôs na boca uma colher da sobremesa. Saborosa. Mas o calor do aquecedor em forma de poste no centro do ambiente não chegava até ela. E como fazia frio!

Levantaram-se quando as conversas triviais cessaram, a sobremesa chegou ao fim e alguém se encarregou de pagar a conta. Adentrou o salão; ali sim, era possível permanecer sem que a noite se lhe infiltrasse pelas roupas. Só as estrelas que não cintilavam mais.

Havia por ali uma lareira acesa enconstada à parede, de onde emanava todo o calor do ambiente, e de cuja proximidade vinha uma melodia; uma melodia quase entorpecente. Era um violão que chorava encostado ao peito de um rapaz que cantava algo sobre beija-flores e saudades. Era o som do universo, pensou. Encostou-se numa pilastra e ficou ali, a observá-lo. Todos no recinto conversavam de costas para o rapaz do violão e aplaudiam quando terminava uma canção, mas era ela, de fato, a sua única espectadora. Lá, mi, fá sustenido, ré... Notou-a. E no momento em que nela fixou seus olhos, selou-se entre os dois um acordo tácito: ele cantaria para ela, somente para ela e ela, naquele instante infinito, só teria olhos para ele. As rimas da canção desconhecida a abraçavam longamente e cada nota do complexo dedilhado era como uma labareda que aquecia mais do que o fogo propriamente dito, e a resgatava do gelado incessante daquela noite. Fechou os olhos e sorriu; quando os abriu, alguém a chamou. Precisava ir. Não desejava partir, mas agradeceu-o com um último olhar, vestiu o casaco e saiu. Era mesmo uma noite, muito, muito fria.
*Caeiro, Alberto "O Guardador de Rebanhos", poema VII.
Por Giovana Nunes

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