sábado, 20 de setembro de 2008

"A Lucidez, aqui, é aquilo...

... que se opõe à loucura, ao desvario, à demência; não se trata, portanto, de mera metáfora ou ironia."

Tempos eleitorais, marketing, propagandas, discursos muitas vezes pouco convincentes. São expostos pelos políticos suas agendas e projetos, que enaltecem uma possível melhora nas condições de vida das camadas mais baixas e uma inacreditável redução da carga tributária. Contudo nenhum político exprime a importância intrínseca do voto em suas palavras, mesmo que sem ele, seria impossível alcançar o cargo que o estadista almeja.

O voto, símbolo maior da democracia, e sua fundamentabilidade para o funcionamento do Estado são os pontos centrais de um incrível romance do escritor José Saramago.

“Ensaio sobre a Lucidez” (Ed Companhia das Letras, 325 páginas) retrata uma verdadeira crise no sistema de sucessão governamental. O romance passa-se no mesmo país fictício e com as mesmas personagens de sua também obra “Ensaio sobre a Cegueira”, brilhante narrativa na qual quase todo o país, exceto a mulher do médico, padece de uma estranha cegueira branca, que coloca em cheque todas as concepções humanas, políticas e religiosas tidas até então. O romance foi recentemente transcendido por Fernando Meirelles nas telas de forma sublime, com uso de inúmeros recursos visuais. Vale a recomendação de assistir ao chocante longa-metragem antes de ler “Ensaio sobre a Cegueira” e a leitura deste antes da de “Ensaio sobre a Lucidez”.

No romance sobre a Lucidez, mal o país se vê livre do caos causado pela brancura visual, o branco retorna nos âmbitos políticos trazendo consigo novamente questionamentos e crises. No dia das votações presidenciais, um anormal efeito ocorre. Ao invés dos votos serem divididos como normalmente são, entre os três partidos existentes, “o de direita”, “o de centro” e “o de esquerda, os eleitores votam substancialmente em branco. A porcentagem para os três partidos é pífia e semelhante. Não há como eleger um sucessor.

A trama desenvolve-se na busca sem limites do Estado e dos políticos dos três partidos, que acabam até mesmo se unindo, pelo culpado da possível “conspiração”. O principal alvo do governo é justamente a mulher do médio, que, em tempos da dificultosa cegueira, era a única a ver. Ela e todo o seu grupo passam a ser espionados por agentes governamentais, em busca de uma resposta para a anormalidade eleitoral. Mais personagens integram a narrativa, como o comissário e o ministro do interior, que passam a ser o centro de outras discussões, como abuso de poder e o diálogo interno da consciência humana.

Como é de praxe das obras do português, o desfecho acontece em uma cena inesperada e chocante, arrematando a narrativa como um todo. Para o leitor, a sensação inicial em ler um livro de Saramago pode ser de incômodo, já que as edições brasileiras são em português luso e o escritor vale-se de recursos de pontuação irregulares, como diálogos sem travessão, somente com vírgulas. O narrador também é um destaque do escritor. Ele exerce importância fundamental para o romance. São dele as considerações e os pensamentos mais instigantes e indignativos.

Não há como sair da leitura de um Saramago, sem uma boa reflexão. E em tempos eleitorais, nós que votaremos e decidiremos o futuro de uma nação, devemos repensar nosso papel como cidadãos e juventude que somos, pois nosso voto é o instrumento poderoso de definição.

Neste Entrelinhas foi mencionado o longa-metragem “Blindness – Ensaio sobre a Cegueira” de Fernando Meirelles, desta forma abaixo há o trailler do filme que já está nos cinemas.






Por Virgginia Laborão



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