Lei seca: extremismo ou necessidade?

Desde o final do mês de junho vigora no Brasil a polêmica Lei Seca, a qual tem sido amplamente discutida nos meios de comunicação e até mesmo nas rodas de conversa. Sabe-se que ela é uma das legislações voltadas para o álcool mais rígidas do mundo pelo nível zero de tolerância. Justamente pelo fato de ter um impacto direto sobre a maior parte da população brasileira, a nova lei provocou reações diversas na sociedade como um todo, emergindo opiniões positivas, críticas e céticas em relação ao texto e à eficácia da mesma.
Na teoria a lei apresenta algumas falhas. Por exemplo, apenas pode ser detido aquele que possuir uma concentração acima de 0,6 g/L de álcool no sangue. No entanto, não se pode obrigar ninguém a construir provas contra si mesmo. Ou seja, o motorista pode recusar fazer o teste do bafômetro e ser encaminhado à delegacia e posteriormente ao IML para a coleta de sangue. Esse processo leva no mínimo cerca de duas horas, o que já acarretaria uma diminuição da concentração. Por mais imoral que seja uma pessoa embriagada, que coloca em risco a vida dos outros, negar-se a fazer o exame, ela tem esse direito. A legislação, portanto, mostra-se ineficiente em certos casos, apesar de tentar ser ao máximo punitiva àqueles que conciliam bebida com direção.
O caráter extremista do texto da Lei Seca tem por objetivo assegurar seu cumprimento, sem prerrogativas. Ao proibir-se o consumo de qualquer quantidade alcoólica, evita-se discussões acerca da tolerância de cada organismo à substância. Como cada um responde de uma maneira diferente ao álcool, a adoção de um limite da substância maior do que zero faria com que cada um julgasse se estava apto a dirigir ou não e após 2, 3 ou 5 latas de cerveja, nenhuma decisão é muito confiável. As particularidades não podem ser levadas em consideração. A generalização é necessária e todos os indivíduos deveriam pensar nas conseqüencias que seus próprios atos e dos outros podem causar após a saciedade do prazer alcoólico combinada com a direção.
Vale a pena ressaltar que ninguém está proibido de beber. Mas, sim, de dirigir embriagado. Não faltam motivos para a criação de tal lei. Chega a 50% os acidentes de trânsito provocados por motoristas alcoolizados. Inúmeras são as vidas que foram tiradas por causa da ignorância daqueles que não respeitam seus próprios limites e, além disso, se aventuram no volante após uma noite inteira enchendo a cara. Diante de tal realidade, o extremismo da Lei Seca parece fazer-se necessário.
Caronas, táxis, freqüentamento de lugares mais próximos e revezamento daquele que não irá beber são soluções eficazes para driblar a lei. Será necessário fazer um esforço considerável a fim de mudar os hábitos da população, mas os frutos já começam a aparecer. O número de acidentes nas estradas federais caiu 14,5% só em julho; o número de feridos também diminuiu e o número de mortos foi o menor desde 2003: 530 mortes, contra 620 do ano passado. Onde há maior fiscalização, como no estado de São Paulo, há melhores resultados. Além disso, há uma redução de pacientes resultantes de acidentes de trânsito em hospitais, colaborando para a diminuição da lotação desses locais.
O Estado parece disposto a não deixar a lei cair no esquecimento. São constantes as blitzes da polícia para autuar possíveis infratores; investimentos na ordem dos milhões de reais também estão sendo feitos na compra de bafômetros para assegurar a fiscalização. Espera-se que os números não voltem aos mesmos patamares, que o cumprimento da lei reduza a impunidade e a imprudência e que as soluções encontradas permitam o happy hour e a cervejinha com os amigos, sem resultar em acidentes deploráveis.
O ilustríssimo Blog Ensaio volta à ativa, após um período de merecidas férias. A partir de hoje, todos as colunas voltarão a ser publicadas, com intervalos de 48 horas, vulgo Plano 48. Nas próximas duas semanas o tema será a Lei Seca. Lembrando que qualquer colaboração literária é muito bem aceita através do Troca de Fluídos. O Ensaio está de volta!
Um comentário:
Quanto à teoria da Lei, tem uma série de brechas, que são fáceis de serem encontradas: o caso dado é o do bafômetro. De acordo que não podem ser criadas provas contra si mesmos, mas deveria ser feita uma Emenda Constitucional onde seja prevista a obrigatoriedade da criação desta prova, caso a ação que o "réu" (o motorista, no caso) possa vir a cometer ponha em risco imediato a vida de civis.
Quanto à prática, a Lei está sendo bastante bem aplicada, sobretudo em Estados mais "ricos" e "instruídos".
Belo editorial, gostei. Um abraço,
Pier Francesco
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