quarta-feira, 11 de junho de 2008

Coluna do Mestre

Sexo Certificado

Por Karine Schlüter, sexóloga


Dia desses, durante minha labuta cotidiana, tive o prazer de encontrar duas pessoas preciosas. Gente simples de tudo, que luta para levar a vida, precisa matar uns dez leões por dia, mais ou menos, para conseguir viver.
Mãe e filha sentaram-se nas cadeiras em frente à minha mesa de trabalho e no decorrer da conversa, perguntei à menina, na ocasião, no frescor de seus treze anos, à respeito de início de vida sexual (pergunta capciosa de ser feita nessa idade, particularmente ao lado da mãe. Há quem reaja com naturalidade, mas há também quem se ofenda. É preciso habilidade na abordagem do tema). Imediatamente o clima entre elas tornou-se tenso. Mãe e filha trocaram olhares, por longos 20 ou 30 segundos. A mãe transparecia um misto de reprovação e mágoa. A filha oscilava entre vergonha e culpa. Até que veio, como uma explosão, o desabafo da mais velha, entre lágrimas e desespero:
-Já, Doutora! Foi com o namorado... Fiquei tão nervosa, tão nervosa, mas tão nervosa, que fui até no procon pra saber o que fazer!

Essa historinha (que é fato) dá margem a inúmeras reflexões. Mas hoje (para isso que me solicitaram esse texto) vamos usá-la para refletir sobre um pouco sobre amor e sexo.
Se pensarmos que as formas de amar são resultado da história e da cultura, como se ama na contemporaneidade?

Parece uma constatação óbvia a de que num mundo onde tudo muda muito mais rápido do que o cérebro e comportamento humanos são capazes de dar conta e ao mesmo tempo onde não há grandes perspectivas de um futuro melhor, surja a necessidade de prazer imediato e baixa resistência à frustrações, afinal "a vida é agora".

Será que isso ajuda ou atrapalha o amor e os vínculos?
A competitividade vai muito além do mundo corporativo e profissional. Ela se entranha nos confins do comportamento.
Vejo, diariamente, pessoas preocupadas com performances sexuais e que reclamam de desencontros amorosos e da falta de intimidade. Gente querendo ser "bom(a) de cama", mas que não se compromete nem se disponibiliza de fato para o outro. Às vezes penso que , daqui a uns tempos, será criado um certificado de qualidade para o desempenho sexual. Algo, assim, como o ISO 9000 do sexo. Já pensou? Você começa um namora e já vai logo perguntando: "Você é certificado?".

Acho triste quando vejo essa preocupação desmesurada e competitiva com desempenho. Ela revela o que estamos fazendo do enorme potencial humano de sentir. E na medida que em que vivemos o amor e o sexo de forma tão reducionista os colocamos na prateleira dos produtos a serem consumidos em nome de efêmeros prazeres.

Enfim; após tais divagações, eu lhes pergunto: Será que aquela mãe era ingênua? Talvez fosse uma visionária.

2 comentários:

Anônimo disse...

Hoje em dia, como dissertei ontem, é algo além do banal. Transa-se em qualquer lugar, já que o que se leva em consideração é o resultado. Gostei muito da entrevista à sexóloga, abordou o tema do jeito que o vejo (mesmo que tenha sido implícito): amor é para "os comuns mortais", sexo é para quem tem, e para quem pode.
Gostaria de responder à pergunta da doutora, no final do texto: sim, a mãe foi ingênua, acreditando que a filha pudesse controlar seus instintos sexuais. A mãe foi ingênua demais acreditando na bondade de sua filha (e conseqüentemente das outras meninas).

hank disse...

Se a doutora me permite discordar, não acredito que a mãe tenha sido uma visionária. Tampouco ingênua, como comentado. Prefiro chamar de confiante.
Ao meu ver, a filha traiu a confiança da mãe; ou devido ao fato de ter tido uma relação sexual (pelo que talvez a mãe não esperasse), ou por tê-la feito escondida.
Confiar e acreditar que a filha seguiria os valores familiares à risca era natural noutros tempos. Hoje parece absurdo. Não deveria, penso eu.