Sexo: uma das várias engrenagens criativas lubrificadas no cinema. Não o explícito, pois não tratamos de pornografia nem muito menos de pornochanchadas. Mas a sensualidade - sensível e tênue fronteira entre o que é oculto e o que é exposto, entre o desejo e sua consumação - e a sexualidade encontram na sétima arte o abrigo ideal para suas máscaras. Na ocasião, o chocante frenesi de Almodóvar a la Frida Kahlo, o cínico escárnio de Kubrik e duas magníficas atuações de Gael García Bernal, sendo uma delas em parceria com os irmãos Alfonso e Carlos Cuarón. Partimos da provocante ninfeta de 14 anos materializada por Stanley Kubrik em Lolita (1962), penetramos no périplo amoroso de Ignácio e Enrique em Má Educação (2004) e aportamos no conflito entre sexualidade e ingenuidade dos inerentes adolescentes Tenoch e Julio em E Sua Mãe Também (2001).
Lolita (1962)
Stanley Kubrik
Lolita é uma brilhante versão cinematográfica do romance de Vladmir Nabokov. Personagens muito bem caracterizados marcam a trama e pode-se dizer, inclusive, que são seu principal atributo.
Humbert (James Mason) é um europeu que chega a New Hampshire a fim de passar o verão em um lugar tranqüilo onde possa escrever sem ser perturbado. Dessa maneira, ele conhe Charlotte (Shelley Winters), mulher de seus 40 anos, proprietária de uma casa com um quarto para aluguel, viúva, carente, controladora e mãe de Lolita (Sue Lyon), uma bonita adolescente, sem nada de muito inusitado (ao menos aos olhos do espectador). Charlotte tem um sério conflito com Lolita, por se sentir ofuscada por ela, como de fato é, pois se posiciona em relação à filha como uma oponente a partir do momento em que Humbert chega à vida de ambas e se interessa por Lolita, ao passo que Charlotte se interessa por ele. Vendo a filha se tornar mulher e representar uma paixão para Humbert e, conseqüentemente, uma ameaça para ela, Charlotte resolve mandá-la para longe, dando início a toda a tragédia presente no enredo, que tem desfecho que não poderia ser diferente, mas que ao mesmo tempo surpreende o espectador.
Tudo no filme leva a crer que todo o perigo e magia exercidos por Lolita estão nos olhos de quem a observa, já que o seu jeito de menina, que seria seu encanto, não passa da irreverência típica da adolescência. Masca chicletes com veemência, põe os pés sobre a mesa e diz o que pensa. Nada que não seja totalmente ordinário. A situação se torna intrincada não devido à Lolita, mas sim à complexidade da persona de Humbert, que demonstra seu comportamento obssessivo desde o início, quando decide se casar com Charlotte a fim de permanecer próximo à garota, ou mesmo antes disso, quando se decide por hospedar-se na casa de Charlotte por ter visto Lolita no jardim, trajando um sensual e juvenil biquíni.
O nome do filme sugere que seja a garota sua protagonista; sugestão errônea. Seu principal objeto de reflexão é Humpert, ou mais especificamente, sua obssessão pela menina, que no decorrer do filme se torna um sensual e doentio misto de amante e filha para Humbert, já que este deseja exclusividade sobre ela. Essa expectativa, no entanto, não é nem pode ser correspondida, afinal, Lolita é jovem demais para se recolher ao papel de simples esposa.
O filme não apresenta nenhuma cena de sexo, nem mesmo de beijo. A história toda, entretanto, transpira sex
ualidade. Lolita é uma figura extremamente sensual; Há tembém diversas insisuações eróticas, como a cena em que lolita acorda Humbert e diz que quer brincar de um jogo que aprendeu com Charlie, o único garoto presente no acampamento para o qual ela havia sido mandada pela mãe. A cena seguinte foi, obviamente, suprimida.
"Lolita" é uma história que escandaliza, até mesmo nos dia de hoje. Até que ponto o romance de Humbert e Lolita existia? Não seria uma simples troca de favores (ela com o sexo, ele com a segurança)? Humbert era doente?
São perguntas sobre as quais vale a pena pensar. "Lolita" é um filme extremamente bem feito. Uma obra prima de Kubrick. Assista e reflita.
Por Giovana Nunes
Má Educação (2004)
Pedro Almodóvar
Enrique Goded (Fele Martínez), sentado a uma escrivaninha chafurdante em anotações, procura por uma notícia singular que dê a ele a propulsão incial ao seu novo trabalho cinematográfico. Como se sua própria vida não fosse (ou viria a ser) uma odisséia interessantíssima a ser filmada. Pois é praticamente isso que acontece. O encontro de Ignácio (Gael García Bernal) com seu antigo amigo Enrique se dá por conta disso, desenterrando uma tumultuada história que funde obras escritas por Ignácio com a realidade suscetível a choques da relação de ambos. Intercortado por cenas da película sendo gravada e passagens reais, o passado dos amigos em um colégio cristão nos anos 60 nos apresenta a ponta da meada que se desenrola violentamente ao longo dos 106 minutos de filme. Descobre-se que Ignácio fora diversas vezes abusado sexualmente por Manolo (Daniel Giménez Cacho), um padre atuante na escola em que estudara. A partir de então, Enrique se envolve com ele em uma relação homossexual perigosa, provocando ciúme alucinado no suposto celibatário e desembocando posteriormente em uma balbúrdia de personalidades e seduções quando mais velhos - o período em que se passa a trama. Almodóvar, como sempre fazendo uso de escândalos inimagináveis e conflitos alucinantes, trata do homossexualismo de forma realista e crua, exacerbando a paixão e o sexo durante o complexo esgrouviamento de personagens que Ignácio assume ao passar do tempo. Muitíssima atenção é requerida a essa obra. Não somente a fim de notar as sutilezas passionais embutidas pelo diretor, tais como evetuais e tensas tomadas de câmera parada e as típicas cores de Kahlo, mas também para compreender a teia de conflitos que se tece entre Ignácio, suas personagens, Enrique, seu filme, o passado traumático de ambos, o homossexualismo, a paixão, o ciúme e ainda a ida e vinda de figuras marcantes no enredo. Desfecho faraonicamente inesperado, interpretações sublimes e concisas, direção e roteiro formulados com magnificência tremenda, conflitos inimaginavelmente atípicos e despudoramento completo em relação a exibir cenas de sexo entre homossexuais. Salvo comentar a relação óbvia entre o trauma na infância de Ignácio e o título da obra, só resta lembrar que tratando-se de Almodóvar, espanto é inevitável - seja esse mesmo soberbo como é.
Por Renan Trindade
E Sua Mãe Também (2001)
Alfonso e Carlos Cuarón
Exceto pelas melodias tocadas por rádios e aparelhos de som, não se encontra nenhum outro fundo musical durante E Sua Mãe Também. Assim, evidencia-se a intenção dos diretores em mostrar legitimamente a puberdade de Tenoch Iturbide (Diego Luna) e Julio Zapata (Gael García Bernal), melhores amigos desde sempre e fiéis charolastras - adeptos a mandamentos criados por eles próprios que pregam atitutes tais como masturbação frenética e a proibição de se casar com uma virgem. Após a viagem de suas namoradas à Europa, a dupla de amigos acaba por encontrar Luisa (Ana López Mercado), noiva do primo de Tenoch, com quem flertam descaradamente convidando a mulher onze anos mais velha a acompanhá-los até uma praia deserta cuja existência é inventada na hora. As fantasias eróticas dos adolescentes se propagam enquanto o momento em que Luisa decide tomar parte na jornada dos dois não chega. Ela, diante de acontecimentos e previsões decisivas, acaba por aventurar-se junto dos charolastras pelas estradas desertas até a suposta praia - que acaba por existir, coincidentemente. À medida que passam tempo juntos, Julio, Tenoch e Luisa criam vínculos e intimidade suficiente para entregar-se em uma arrebatadora aventura sexual. O envolvimento dela com cada amigo abala perigosamente a relação dos dois, fazendo extrapolar segredos entre eles que encaminham para um conflito de confiabilidade. Porém, a ligação dos garotos evolui, a partir de então, de maneira reconciliatória e exponencialmente fiel. O elo que os une torna-se pétreo e a aproximação convulsa deles passa a ser extrema, até que ocorre algo que mudaria o rumo de suas vidas definitivamente. Ousado e com leves pinceladas de humor, E Sua Mãe Também é um filme de grande sensibilidade e inescrupuloso em suas cenas mais quentes. Notável perceber a evolução perigosa da aproximação de Tenoch e Julio que, imaturamente inseridos no turbilhão sexual em que se envolveram, põem em risco a ingenuidade e principalmente a amizade dos dois. Típicas dos irmãos Cuarón, tomadas longas e contínuas rondam o filme, assim como planos amplos de filmagem e passagens gravadas com a câmera simplesmente na mão, sem o auxílio de trilhos ou guindastes - o que fornece à trajetória o cerne realista e frenético. Tingidas por tons áridos e ásperos, as seqüências tratam sexualidade e imaturidade através de um caleidoscópio colossalmente inserido no contexto da volúvel puberdade adolescente. Obra louvável pela (novamente) certeira atuação de García Bernal e pelas sensíveis lentes dos Cuarón.
Por Renan Trindade
2 comentários:
Uma equipe de profissionais sabe falar sobre qualquer tema, e sobre qualquer tópico dele. Quanto à cinefilia, parabéns, os três filmes que indicastes me deixaram curioso. Pretendo vê-los, em um futuro próximo.
Vós conseguistes descrever o filme profundamente, mas deixando o leitor curioso.
Isso é o que importa para os redatores da sétima arte.
Parabéns de novo. Não termineis nunca de trabalhar neste exemplo de luta para a divulgação da cultura, que o jornal está sendo!
Interessantíssimo o trabalho que vocês têm feito. Aplaudo de pé. ;)
Postar um comentário