Um tema recorrente, três análises distintas. Os professores Alice Martini, Carlos Henrique Carneiro e André Catani discorrem sobre o futuro de Cuba de acordo seus prismas e opiniões. Confira:
“Cuba Libre” – A Admirável Cuba Nova
Por Alice Martini
Prever o futuro de Cuba sem Fidel é um exercício tão interessante como arriscado. Contudo, nós podemos fazer essa modalidade de “futurologia” levando em conta algumas premissas reais. Vamos analisar a geopolítica atual da América Latina para estabelecer uma relação direta com Cuba. A recente invasão do exército colombiano em território soberano do Equador confirma: a Colômbia de Uribe é a ponta-de-lança da política externa dos EUA em pleno coração da América do Sul. Através de investimentos e de ações militares na Colômbia – sob o pretexto do combate ao terrorismo – os EUA mantém algum controle no subcontinente, com olhares bastante atentos na Venezuela.
E qual é a relação disso tudo com Cuba?
A Venezuela de Chavez é o país latino-americano que mais dá suporte ao regime socialista cubano. Um suporte ideológico, diplomático e, acima de tudo, econômico. E o futuro de Chavez é incerto. Através de uma ação armada, de um novo golpe, ou simplesmente através do financiamento estadunidense às oposições venezuelanas, acredito que o atual líder venezuelano cairá do poder nos próximos anos. E sem o petróleo barato da Venezuela, o regime socialista cubano deverá cair também. E essa derrocada do socialismo não se deverá somente à falta do apoio de Chavez.
Para os EUA – uma potência declinante em todos os sentidos – a retomada de Cuba servirá como uma compensação ideológica, uma demonstração de força e vigor do seu arsenal político e estratégico. Certamente não faltarão recursos de todos os tipos para insuflar a população cubana contra o regime socialista. Mas é importante frizar: o “clima” desse movimento só será garantido pela nova carestia gerada pelo fim do apoio econômico de Chavez. E, sem Fidel, o regime não resistirá. Acredito que manifestações populares – dirigidas a partir de Miami e de Washington – abrirão caminho para uma “nova” Cuba. Não tão “nova”.
Avenidas repletas de automóveis de última geração, shopping-centers moderníssimos e lojas de grifes exclusivas deverão coexistir com bairros miseráveis tão comuns por toda a América Latina. Em meio a todo um processo de concentração de renda fortíssimo, a riqueza dos investimentos externos contrastará com o surgimento da delinqüência e talvez a volta da subnutrição. O sistema de saúde estadunidense – marcado pela privatização desbragada – deverá ser reproduzido na ilha. E o resultado disso será novamente o de uma população desprotegida. Mansões coexistirão com hospitais públicos de instalações precárias. Em meio a uma provável abertura política, os famosos médicos cubanos abandonariam a ilha rapidamente em busca de bons salários ao redor do mundo. As leis de mercado seriam implacáveis para o restante da população.
Um toque bem démodé em meio a tantas novidades seria a re-inauguração dos antigos cassinos dos tempos pré-Fidel, todos com arquitetura e shows estilizados em clima anos 1950. Uma tática eficiente de marketing que atrairia mais e mais turistas internacionais em busca de clima romântico – e ultrapassado – daquela Cuba em ritmo caribenho. Os “amigos” de Sam Giancana – o mafioso envolvido na morte de John Kennedy – poderiam retornar às atividades legais e ilegais, tudo como nos “bons” tempos de Fulgêncio Batista. Mas sem qualquer sobressalto revolucionário dessa vez. Admirável Cuba nova!
O Futuro Cubano
Por Carlos Henrique Carneiro
O que acontece politicamente, em Cuba, hoje, vem acontecendo desde 2006, com a ascensão de Raul Castro ao poder, após os problemas de saúde de seu comandante. A curto prazo, a renúncia de Fidel não muda a vida na ilha porque a população não está se movimentando para que haja as mobilizações que os Estados Unidos querem. Na ilha há os benefícios que o socialismo plantado lá deu: saúde, educação e emprego, fora o esporte. Em nível mundial, espera-se que o embargo econômico, imposto pelos EUA, seja
revisto, pois é mesmo um crime manter sanções nesse limite.
Cuba sem Fidel ou Fidel sem Cuba?
Por André Catani
Embora Fidel tenha se afastado do exercício do poder em Cuba, tudo indica que ele permanecerá, enquanto viver, sendo o principal ideólogo do regime vigente na ilha. Seus artigos e discursos certamente continuarão a nortear as ações e as linhas gerais do governo cubano. Mas é inegável que sua ausência como governante poderá colocar em xeque a firmeza de alguns propósitos. Fidel é arquiteto e principal agente da revolução cubana que derrotou o regime subserviente de Fulgêncio Batista. Sua presença constante nestes 50 anos e sua postura intransigente frente às pressões internacionais foram fundamentais para a resistência do modelo socialista na ilha.
É certo que Cuba enfrenta problemas de infra-estrutura, mas também é notório que resolveram questões sociais importantes, como a erradicação do analfabetismo e a plena oferta de saúde públic, problemas que países adeptos do livre-mercado, como o Brasil por exemplo, ainda não resolveram. Se por um lado o ‘’canto de sereia’’ do mercado pode vir a ser sedutor aos ouvidos de uma população privada dos confortos modernos, por outro lado há uma grande confiança dos cubanos na solidez de algumas de suas instituições.
Acredito que não será fácil para os cubanos resistirem às pressões (lideradas pelos EUA) para se converterem em mais um "nicho de mercado" para um capitalismo em crise. Mas creio também que estes 50 anos ensinaram os cubanos a acreditarem no valor das conquistas sociais que alcançaram, de modo que não me parece que estejam dispostos a abrir mão delas tão facilmente. É provável que Cuba saiba caminhar para um regime mais aberto, sem "vender" os fundamentos de igualdade e justiça social tão duramente construídos.
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