quinta-feira, 12 de março de 2009

Parênteses

Moldura

Ela combinava com a parede amarela. Os finos cabelos loiros lhe caíam lânguidos por trás das orelhas e sobre os ombros. Tudo nela era suave. Quero dizer: tudo acoplado a ela o era. Uma camiseta pólo rosa-bebê combinava mais do que perfeitamente com a mochila também rosa-bebê. O laptop branco combinava com o cardigan igualmente alvo. Fossem os acessórios por si próprios, estaríamos praticamente diante de uma paisagem interiorana de céu azul de grama verde esmeralda. Mas como já havia sido dito, tudo acoplado a ela era suave. Ela quase chegava a despistar. Mas seus olhos, caro leitor... Ah, seus olhos: eram emoldurados por olheiras profundas e sobrancelhas franzidas, que fitavam com um ar de incógnita o monitor do pequenino computador branco. Bem se sabe que no diminuto aparato poderia-se visualizar qualquer coisa. Imagino que os franzir de sobrancelhas de tanto branco e cor-de-rosa claro, de casca de ares pueris só poderia dever-se a algo muito além da compreensão de qualquer criança.
O fato seguinte, no entanto, embaralhou quaisquer hipóteses que pudessem até então ter sido formuladas à respeito da rapariga de rosa. Ela desfranziu o cenho, guardou o computador na mochila e saiu. Algo, contudo, havia sido esquecido: um casaco. Mas não um qualquer. Era um casaco de pele - negro - que destoava completamente de todo o resto, exceto da expressão exausta que ela discretamente exibia. Era essa a imperfeição que faltava para que tudo destoasse magnificamente. Como se não quisesse ser descoberta, ela deixou o casaco ali, largado sobre a poltrona de veludo verde; um pedaço de si, o mais verdadeiro talvez, foi profeticamente deixado para trás.
Ela voltou. Dessa vez, porém, sem cenho franzido nem marcas escuras sob os olhos. Em vez disso, ela tinha um rapaz por uma das mãos. Ou ele a tinha em uma das mãos; como dizer ao certo? A moça de rosa voltou. Minto; Ela já havia ido embora.





Por Giovana Nunes

Um comentário:

hank disse...

Gostei demais da nova coluna! Dá margem à criação de textos não necessariamente jornalísticos, mas não por isso menos interessantes! Principalmente quando bem-escritos... Parabéns, Gi!