segunda-feira, 16 de março de 2009

Manchete

O caso do aborto sob a ótica católica

Por Thiago Adorno Albejante

Provavelmente são poucos os leitores deste blog que não ouviram falar da história da menina de 9 anos proveniente da cidade de Alagoinha, Pernambuco. Violentada pelo padrasto ao longo de 3 anos, ela acabou engravidando antes mesmo de completar uma década de vida. Descoberta a existência dos fetos – eram gêmeos – no útero da garota, o procedimento de aborto foi realizado, conforme permite a legislação do Brasil. Esses são os fatos, exaustivamente citados nos meios de comunicação.

Entretanto, existem mais coisas entre o Céu e a Terra do que supõe a vã filosofia de William Bonner e Fátima Bernardes. Os pais biológicos da menina eram, a priori, contrários ao aborto – a gestação já entrava no quarto mês. Somente concordaram em assinar uns papéis dados a eles, analfabetos, quando foram convencidos por uma assistente social (nem médica era) de que, caso não abortasse, a filha iria inevitavelmente falecer durante o parto. Será mesmo?

Histórias como a de Alagoinha são, infelizmente, mais freqüentes do que se imagina no Brasil, embora muitas delas tenham desfecho diferente. A gravidez de uma criança sempre é, sim, de risco. Todavia, é perfeitamente concebível caso haja acompanhamento pré-natal e cesariana. Não se conhece exatamente o número de crianças que engravidam precocemente. Porém, sabe-se quantas delas acabam tendo o filho: de acordo com o DataSus, em 2006 houve 27 610 menores de 14 anos que deram à luz, sem existir nenhum registro de morte durante o parto desses bebês, frise-se.

Se existem tantos exemplos semelhantes ao da menina, por que teria o caso em questão tomado tanto a atenção dos órgãos de imprensa brasileiros? A exploração midiática do ocorrido foi estimulada pelas declarações de Dom José Sobrinho, Arcebispo de Olinda e Recife. Tanto, que se via estampado nos jornais: “Arcebispo excomunga médicos”. Quem lê, acredita.

Ora, o Arcebispo não excomungou ninguém. O que ocorre é que o Código de Direito Canônico da Igreja – onde estão agrupadas as leis eclesiásticas – prevê excomunhão automática a quem comete certos atos que vão contra a doutrina da religião católica. Um deles é o aborto. Logo, quem aborta com consciência do seu ato, mesmo que o faça em segredo, está imediata e automaticamente excomungado. O que Dom José foi apenas esclarecer que, pelo ato que praticaram, os que provocaram deliberadamente o aborto da menina de Alagoinha – possivelmente é o caso dos médicos, mas talvez não o da mãe, coagida pela assistente social (cf. site do pároco da cidade) – deixaram de participar da comunhão da Igreja Católica.

Diria (e disse) o jornalista: “Estão condenados à danação eterna, ao fogo do inferno, então! A Igreja Católica não tem misericórdia!” Na verdade, a excomunhão nunca significou uma “passagem para o inferno”, como nos fazem acreditar alguns professores de História no colegial. Na verdade, ela priva o fiel católico de receber os sacramentos (exceto a Confissão e a Unção dos Enfermos) até que ele se arrependa e tenha o desejo de voltar ao seio da Igreja. A idéia é justamente provocar a reflexão e o arrependimento, não mandar ninguém pra fogueira.

E quanto ao padrasto, por que ele não foi excomungado? “Porque a Igreja é hipócrita e imoral e pedófila por natureza!” Quase isso... Na verdade, o aborto entrou no rol de pecados que excomungam na década de 1980, perante o crescimento do movimento abortista. Serviu para lembrar o fiel de que abortar continua sendo um atentado grave contra o direito à vida, na visão católica, procurando dissuadir os que são tentados a praticá-lo. No caso do estupro, ele é um pecado gravíssimo também. Quem o comete tampouco pode se aproximar do sacramento da Comunhão até que haja arrependimento sincero. Agora, de que serviria a excomunhão dos que estupram? É risível crer que algum estuprador não mais estupraria caso pudesse ser excomungado. Não obstante, o tolher de uma vida é, sim, mais grave do que um estupro, na visão católica. Ainda mais quando se trata de uma vida indefesa, que é o caso dos fetos.

Num país laico como o nosso, é de se espantar que as declarações do representante de uma instituição acerca das regras da mesma instituição tenham repercutido tanto na mídia. E sempre há aqueles que querem aparecer: até mesmo o Presidente da República deu pitaco no assunto. O caso da excomunhão, ao ser tratado mais como uma questão de política nacional do que como algo de caráter meramente espiritual, evidencia que a separação entre Estado e Igreja ainda não é um conceito bem entendido e solidificado na democracia brasileira.

Aliás, outro conceito a ser aprimorado é o de liberdade de imprensa. Em oposição ao trauma da censura nos anos de ditadura, os jornalistas perderam a noção dos limites éticos aos quais estão submetidos. Uma notícia pode gerar repercussões extremamente danosas a uma pessoa ou instituição. Quem não se lembra daquela, ano passado, do “Sobe e Desce” da revista Veja, na qual atacava-se uma postura do Colégio Visconde de Porto Seguro sem nem sequer conhecê-la a fundo? O sensacionalismo faz com que os meios de comunicação tendam a fazer uma análise menos cautelosa e mais parcial dos fatos. Ressalto que a idoneidade, mesmo que impossível de ser alcançada plenamente, deve constantemente ser buscada pelos jornalistas, sob pena de impedir à população o acesso à verdade.

A verdade, neste caso, era a de que a Igreja tem liberdade para pensar e pregar o que bem entender a seus fiéis; a verdade era a de que o aborto não constituía a única saída. E isso não foi considerado. Decidiu-se pela maneira mais fácil: eliminar as duas vidas inocentes, dando a uma história que já era triste um desfecho trágico. É contra essa injustiça que Dom José se pronunciou.

7 comentários:

Anônimo disse...

Bom, mesmo quem não é católico sabe muito bem que esses assuntos são realmente contraditórios e de uma maneira ou de outra, seu julgamento é smepre frio e cru, depois de ter lido a coluna, entendi o ponto de vista apresentado pelo redator, e concordo sim que a impreensa sensacionalista talvez devesse ter abordado o fato de uma maneira diferente, talvez devessem ter se aprofundado mais no assunto, apresentado os dois lados. Mesmo assim, continuo achando simplesmente absurda a comparação entre estupro e aborto, e de uma certa forma, compeltamente machista, como a propria igreja é. Sou católica mais definitivamente não concordo com a visão da mesma sobre o aborto. Parabéns pela redação!

Anônimo disse...

acho um absurdo o estrupador nao ser excomungado simplesmente por ser indiferente para ele. é contraditório. afinal, quem garante que por ser excomungado o médico nao tomaria as mesmas decisoes num proximo caso parecido ao dessa menina de 9 anos?

hank disse...

Nada garante. Mas, partindo-se do pressuposto de que o médico não é um psicopata e tem consciência dos seus atos e escolhas, ele pode vir a se arrepender. Já no caso do estuprador, que certamente possui problemas mentais, por mais que se arrependa ele voltará a praticar o ato, uma vez fora da prisão.

Juliana Zero disse...

Queria dizer, que apesar de ter me distanciado bastante da Igreja nos ultimos tempos, ao ler as manchetes dos jornais sobre o assunto tive uma impressao parecida com a que foi colocada no texto: um sensacionalismo e imparcialidade tomaram a midia a respeito do caso. Em um primeiro momento, quando escutei as primeiras noticias sobre o caso, achei um tremendo de um absurdo. No entanto, apos refletir um pouco, nao sabia se concordava, se obedeceria, mas achei a posicao da Igreja totalmente entendivel. Acho que Dom Jose se expressou mal em suas primeiras declaracoes, mas disse algo que eu achei bem esclarescedor nas paginas amarelas da Revista Veja: "dia desses, uma mulher da mesma diocese dessa menina,que tinha um filho de 1 ano e meio, engravidou de novo.Ela nao queria ter esse segundo filho.Entao, foi procurar um medico querendo abortar e levou o menino mais velho junto, para dizer que nao tinha condicoes. Mas o medico era catolico e disse a mulher que, ja que ela nao podia ter dois filhos, ele ia matar o primeiro e ela ficava com o segundo, que estava em sua barriga. A mulher, na hora, despertou e nao aceitou mais o aborto". Eu acho que nao podemos achar que a vida de um feto eh mais insignificante que a vida de uma crianca ou de um adulto. Tudo eh vida. A comunidade deveria ter se mobilizado para amparar essa garota e fazer todos os esforcos possiveis para que as tres vidas fossem salvas. O estuprador...que pague pelo que fez. E os bebes, que fossem acolhidos por todos e que houvesse bondade suficiente para que eles possam ser criados por pessoas que prestem todo o auxilio e amor possiveis.
ufa...escrevi demais. Acho isso bom, porque tambem me ajuda a organizar meus pensamentos sobre o assunto, que apesar de tudo que foi escrito, ainda estao em construcao!
Belissimo texto,Thiago!

Anônimo disse...

Primeiramente, acredito que o tema foi exposto em ótimo momento, e a acho que essa é a grande ideia por trás do Manchete.
Ao dizer que os pais da menina eram contrários ao aborto inicialmente, está sendo dito o óbvio.A grande maioria é contra aborto. A discussão corrente desde um blog estudantil até a brasília é a LEGALIZAÇÃO do aborto.
Quanto se percebe essadiferenciação, essa mesma discussão toma outros rumos. O Brasil é um pais laico e mesmo assim sofre grande influência da Igreja Católica. Não acho cabível impor uma lei a pessoas que não são religiosas pelo simples fato de ir contra os preceitos da Igreja. Quem é religioso escolhe por não fazer o aborto e ponto.
Considero uma afirmação preconceituosa a de dizer que pelo fato de os pais serem analfabetos, eles não teriam capacidade plena de tomar uma decisão tão importante para a criança e para a família. É o mesmo que dizer que analfabetos não têm a capacidade necessária para votar, por exemplo.
É fato que assistente social não é medica. Está muito além disso. Enquanto uma médica cuida apenas de problemas físicos, uma assistente social aborda psicologicamente o assunto, analisando todas as consequências e variáveis possíveis, além de analisar também o ambiente externo em que está incluido. Uma médica não teria condições suficientes para avaliar o melhor para a menina. Só o que seria melhor para o organismo vivo. A pergunta que se deve fazer é: Como isso afetará a vida de uma CRIANÇA de apenas 9 anos? Uma pessoa que dificilmente tem mais de 1,5m de altura e que trocará bonecas por dois bebês? Levando informações como essa em consideração acredito INCONCEBÍVEL que uma criança tenha duas outras crianças.
É preciso ser flexível, pelo menos um pouco. Não vejo como escolher entre colocar em risco a vida de um ser humano em troca de outros dois que não estão inteiramente formados e além do mais, sem garantia de sobrevivência, seja o melhor para todos.A flexibilidade que menciono, é no sentido social. É ingênuo acreditar que uma família com dificuldades financeiras, terá estabilidade suficiente para que duas outras crianças cresçam sem grandes problemas. É fácil para nós, privilegiados, como todos nossos professores afirmam, achar um absurdo o aborto em qualquer circunstância. E se fosse na sua família? Acredito que a situação seria tão trágica quanto. Estupro de menor é sempre algo atterorizante.
Entretanto a família teria condições de oferecer o melhor atendimento médico possível para a criança caso o aborto não acontecesse. Mas quantas famílias
deixariam de fazer o aborto? Eu mesma, se fosse minha filha, decidiria pelo aborto mesmo sendo católica. Fosse diferente a situação, certamente não escolheria esse caminho. Não estamos falando de uma gravidez causada na adolescência. Todo essa experiência já não foi traumatizante o suficiente? Como ficará o lado emocional da menina
durante a gravidez? A adoção não resolveria nem parte do transtorno. Desta forma, o aborto era sim a única saída.
Em relação aos comentários, um estuprador tem sim consciência dos seus atos. Como afirmar categoricamente que todo estuprador é um psicopata? Nesse caso,
acho que todos concordamos de desvios mentais, mas e se tratasse de uma mulher adulta?
Só para terminar, porque esse comentário já rendeu bastante, a abordagem de como a mídia lidou com a história da menina de Alagoinha foi excelente!
Também acredito que a moral dos jornalista está questionável.

Haaaaaaaaaaaaank!
Caaramba! Você escreve muuuito bem! Aborda os argumentos de forma construtiva e coesa! Sem contar na exposição de ideias que todos seus textos geram.
Parabéns!

Anônimo disse...

Escrever sobre temas como aborto, eutanasia, opção sexual era e ainda é um grande tabu. Causa sempre muitas discussões e conflitos mas acredito que o grande ponto desse artigo não é quem é favorável ou contra aborto.

Não, não temos como provar que as tres crianças morreriam, mas por outro lado também não temos garantias de que sobreviveriam. O estupro não foi escolha da menina (não estamos mais na idade média onde homens são vítimas de mulheres que os seduzem e elas que arquem com as consequencias disso)e por conta disso ela merece ter a vida preservada. Acredito que o custo da vida de outros dois fetos ainda em formação é um preço alto a se pagar, mas essa menina já não teve que sofrer demais? Ser MÃE aos 10 anos de gêmeos tornaria-se inviável.Os médicos estavam seguindo apenas o que era melhor para a criança. As leis davam base para eles agirem e a igreja? Dava apenas sua visão machista e antiquada. Não cabe a padres (que não tem uma formação com cursos de biologia) avaliar que havia capacidade de uma criança por outras duas no mundo e então decidir que os médicos e os pais seriam excomungados. Mais uma vez a igreja se precipita e é extremada.


Quanto ao estado psciquico do padrasto, nenhum exame ainda provou que ele tenha disturbios. Várias pessoas com disturbio passam a vida toda sem cometer atrocidades assim como muitas pessoas normais chegam antes dos 30 anos já tendo cometido vários delitos. Excomunga-lo ou não também não é ponto. Se resolveria ou não, tanto faz, o que ele podia ter feito de mal a menina, ele já havia feito.

A questão ainda assim não é colocar o representante da igreja como vilão, ele estava apenas "cumprindo ser trabalho"

Acho que a grande sacada é se colocar no lugar desse médico, dessa mãe ou ainda dessa criança.
E VOCE O QUE FARIA?


hank apesar de não concordar com seu ponto de vista, o texto está redijido de uma maneira incontestavelmente bela. Parabéns ;]

Anônimo disse...

adorei os comentarios anteriores. a propósito, quer casar comigo?